domingo, 29 de agosto de 2010

Futuro a[r]mado.


Após limpar o sorriso sujo de bolo, com a manga de sua blusa, a vozinha chegou aos ouvidos de quem a acompanhava. O que queria era difícil, e ela não desejava.

- Me conta do passado.
- De que passado ?
- Daquele, de antes de eu nascer.
- Já te amava, então.
- Como ?
- Não sei como, nunca soube como acontecia isso de amar, só sei que amei quando ouvi que era verdade os sonhos.
- Você chorou, né ?
- Muito.
- Alegria ?
- Alegria, esperança, amor. Era algo que fazia muito tempo não sentia, na verdade, só me dei conta quando senti.

As mãos continuavam juntas, abraçadas em um calor de carinho e amor sanguínio sem fim. Era a primeira e, até então, única criança que olhava nos olhos e via alguém que era metade de seu ser, que era sua irmã.
O desejo da criança lhe trazia dúvidas. Passado ?! Qual passado ?! O inventado ou o real ?! O desejado ou o vivido ?! Sorriu fingido por pensar que a conversa havia acabado. O tal passado havia passado, pelo menos no tempo... engano.

- Me conta do passado.
- O passado já passou.
- Mas o passado é presente em você.
- O passado sempre será presente em mim porque foi o que sou.

O aperto dos olhos, a dor aguda na espinha dorsal, a pressão crâniana. Escondia tudo da criança também, escondia tudo para que aquele ser não imaginasse nada e não pensasse que um dia poderia sentir e ser como a tia. A tia que todos pensavam ser forte por ser robusta... enganos.

- Me conta.
- Outro dia.
- Quando ?
- Quando você viver a sua leveza.
- Que leveza ?
- A que desejo com todo o meu ser pra você.
- Quando será isso ?!
- Não sei, nunca soube o que é ser leve.
- Então, como ?! Não tem sentido.
- Você nem nasceu, nem suspirou, nem chorou. Talvez você nunca seja leve, pelo peso que tem do seu nascer. Mas eu prometo retribuir o peso, fazendo você viver momentos de leveza: leveza de sorrisos, de doces, leveza de diversões, de bichinhos. Leveza de viver, nem que seja um pouquinho, na leveza que não existe no mundo.

O desejo era real e palpável, abriu os olhos e viu que sonhava, mas no fundo desejava aquilo, aquele diálogo com quem chegaria em sua vida. Olhou para o teto com o coração em mãos e um suspiro já no ar, em voz alta suplicou que o peso da criança fosse seu também.

- E o passado ?!
- Vai me acompanhar, porque é presente do meu passado, mas você não precisa saber pois não vai viver o que passou. Agora é alegria, é amor, é esperança ! Já o passado... o passado, deixa ele pra lá.

Pri Fierro (com mania de diálogos)

2 comentários:

  1. Tomara que ela seja tão pesada, pesada mesmo. Assim terá um fé na vida grande como peso dela e tornará tudo tão bonito porque vai desejar saber como é ser leve. Se agarrará num balão e irá voar.

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  2. Quero muito que ela tenha fé e voe, ainda que caia pelo seu peso. Vou fazer ela voar, nem que seja com os braços.

    Chorei com o seu comentário, bolinha.

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