terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sorriso do céu.


Tinha olheiras bastante profundas para a pouca idade, pouco tempo de existência no mundo que lhe sorria amarelo ouro cada vez que ela agarrava um tempinho, entre um passo e outro, para olhar o céu azul da cidade cinza. As olheiras, hoje, não eram de cansaço. Havia dormido mais que o normal. Não que houvesse normal para se dormir. Dormiu o quanto o quis, coisa que não fazia com muita frequência, pois o vizinho sempre acordava aos berros e a parede fininha de seu apartamento deixava todo o som entrar, como se a criatura estivesse do seu lado, berrando escandalosamente em seus ouvidos. Nunca teria filhos.

Ia sentada na sujeira do banco do metro, único transporte público que tinha gosto de tomar. Detestava ônibus e trens com todas as suas forças. Olhava seu reflexo e suas olheiras, pavorosas, na janela escura do vagão. Ao seu lado dormia uma jovem, ela não tinha um pingo de sono. Era só olheiras. Respirou fundo quando a campainha avisou que chegara em sua estação. Hoje não trabalhava, hoje não tinha rumo, hoje era livre. Era tão livre que até se desesperou, não era acostumada com a liberdade ! Só sentia alguma coisa parecida ao olhar o sorriso amarelo do mundo no céu, entre cada passo corrido de seus dias rotineiros. Mas hoje, hoje não tinha rotina, hoje podia fazer o que quisesse fazer !

Saiu do trem e sentiu a brisa do vento que levantou a barra de sua saia ao partir do metro. Fechou os olhos com o desejo de sentir a brisa por todo o corpo, queria voar. Tocou as olheiras roxas, acariciou as bochechas brancas e desceu a mão, sem parar, diretamente para o decote, apertando o coração. Queria voar e sorrir amarelo com o céu. Virou, decidida. Hoje era livre, se livraria. Se desesperou com tamanha liberdade que sentiu. Fitou os trilhos do trem. Sorriu. Hoje era livre, se livraria, sorriria com o céu. Do céu.

Um outro trem se aproximou.

O que se soube, minutos depois, foi que as pessoas que ali viajavam chegaram tarde em seus destinos.
E que o céu abriu em um arco-íris onde a cor amarela reinava, sorrindo.

Pri Fierro.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Por mim. Por Lúcia.


"Com seus olhos grandes de criança mimada, com sua sede de vida e seu medo da vida. Talvez um dia ela cresça."

Agora. Abri a página agora e me transformei em Lúcia. Essa Lúcia. Aquela Lúcia. Sou Lúcia de Tapajós.
Mas só agora, só nessas palavras ditas antes, nunca em corpo, menos em alma.

Entendam, Lúcia era grande, tinha culhões, brilhava, lutou, correu e morreu. Morreu não por ela, morreu por nós. Lúcia era real. Não sou Lúcia, sou as palavras que dizem de Lúcia. Não sou real.

Pureza de Lúcia.

Assim, hoje não escrevo por nada, hoje escrevo porque penso. Penso em mim, e sou Lúcia na frase dita. Meus olhos grandes de criança mimada. Meus olhos grandes e opacos, cansados, sem alma, de criança mimada e orgulhosa que engole, resmunga, chora, se debate e bate. Olhos grandes. Sou Lúcia na minha sede de vida. Vida que me joga pra cima, que me tenta, que trata de me convencer a ver, que me empurra pra frente e puxa pra trás. Que brinca, que leva, que volta, que mexe, remexe. Machuca. Dói e me faz querer doer. Gostar de doer. Sorrir após doer. Respirar a beleza de doer. Sou Lúcia no medo. Meu medo de mim. Meu medo de estar aqui. Meu medo de sumir daqui. Meu medo de não crescer...

Medo do medo. Medo de Lúcia.
Não cresço e, assim como Lúcia, talvez um dia cresça.

Aprendo, é fato, mas não cresço. Não digo por você, Joana, que me dá chacoalhões sem fim, afim de me acordar e ver o mundo que perco por fechar os olhos e não aproveitar toda a beleza que temos em volta. Afim de me acordar e ver a beleza que tenho dentro de mim. Não digo por mais um empurrão, não. Digo por mim. Digo porque percebo sim aonde erro. Percebo sim o que faço. Percebo sim quando afasto. Então, amanhã te peço, não tenha cuidado, me derrube, sem dó. Me tranquiliza saber que você estará aqui para me levantar, também.
Não digo pelos erros, não digo por vocês, não digo por Lena, nem por Tapajós. Não digo por nenhum dos diálogos e, menos ainda, digo por tantos labirintos e confusões que fizeram em meu ser quando vejo tantos dedos e tantos olhares, internos, externos, jogando e só jogando...
Hoje, e só hoje, digo por mim.
Digo que sou Lúcia assim por ser, por ter, por me ver. O espelho, que sou eu, grita o sim. As pernas, que são minhas, se mexem inquietas cada vez que leem a frase. O coração, que pulsa aqui, salta e sabe, é de Lúcia.

Sou palavras, Lúcia.

Pri Fierro.
(citação do livro 'Em câmera lenta' de Renato Tapajós)

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Encasular-se


Ela descobria o ato de encasular-se. Deitada na cama nova de casal, na casa nova de solteira, no quarto novo de mulher, dobrava as pernas e quase encostava a testa nos joelhos como se tivesse a maior cólica que o mundo poderia lhe presentear. Descobria o ato de encasular-se em si mesma. Ficou imóvel por minutos, horas, talvez segundos ainda que podiam parecer anos, pois todo o corpo começava a sentir um desconforto por tal posição, um formigamento por tal solução, que a cabeça pedia que as pernas se esticassem com os braços, que a coluna se colocasse ereta e a cabeça levantasse e olhasse o teto de tinta fresca e vermelha, recém pintado. Encasulada, não saiu da posição. Aguentou a dor, a cabeça gritando, o formigamento de membros, o corpo duro feito feto em barriga de mãe. Seguiu imóvel. Passaram mosquinhas, anjos e espíritos por ela, todos a olharam de cima mas nada, ninguém, a tirava do casulo. Ficou pensando se morreria naquela posição, se alguém esbravejaria e a forçaria de sair dali, se seu ser escolheria e se livraria do casulo construído por ela mesma, se estavam preocupados por seu desaparecimento, se seu desejo de liberdade era forte o suficiente para quebrar a fina camada que lhe envolvia. Em vão. Encasulada sentiu frio, fome, calor, sede, amor, sono, mas não dormiu. Encasulada quis ler, levantar, pular, dançar, chorar, gritar, escrever, falar, mas não ligou. Encasulada pensou e só pensou.

Pensou nas asas que poderia ter, nas formas que gostaria de adquirir, nas cores que amaria pintar, nas pessoas que poderia tocar, beijar, amar, abraçar, proteger, acolher, xingar, brigar, sentir.

Encasulada só queria viver, encasulada.

Pri Fierro

Cárcer de si mesma.



- E quem precisa se deixar, no final das contas ?

Ela questionava o mundo ante a janela, as grades, o sol quadrado. Aquele ar fresco da chuva recente, aqueles raios quentes do rei maestro, tudo aquilo tocava a pele branca pela janela mas nada, nada, chegava ao ponto de seu peito dolorido. Quem precisava ser deixado, no final das contas ? Gritava uma fúria de si mesma, por ser assim, por doer os outros, dos outros, nos outros. Não merecia o mundo que criava, as pessoas com quem andava, as mãos que lhe afagavam. Tinha que estar só, permanecer só, viver só, morrer só. Tinha tanto medo da solidão que, no final, via que era só que deveria estar.

- Por isso te temo.

Não eram uns ou outros, não era qualquer um, era um e outro, eram todos que explodiam seu coração mole e sangrento. Tinham nome, rosto, cheiro, voz e sentimento, e lhe causavam um bem que ela mesma transformava em mal. Tinha que se afastar e não por ela, nunca por ela, por eles. Cansada de fazer mal aos outros, era ruim, fazia mal e estava cansada de fazer mal a quem amava.

- Me convença que não, por favor ! POR FAVOR !

Gritou, uivou, nua diante da janela quadrada, do sol interrogante, do vento traidor. Traidor por levar sua voz ao mundo, por delatar suas dores, por mostrar sua fragilidade quando queria se fantasiar de coragem. Não queria nada de ninguém, não queria que ninguém lhe desse nada. Nem mãe, nem irmã, nem pai, nem amiga, nem tia, nem sobrinha, nem vó, nem ele, nem eles, nem ninguém. Menos ainda alguém. Só queria dar, ainda que desse, só queria dar e dar e fazer bem aos que lhe faziam bem. Não queria mais causar dor a ninguém. Chorou, desejava mesmo ser boa.

Talvez, no final, queria só algo dela, algo que não tinha. Certeza. Sozinha, sentou e comeu de seu corpo cru, alimentou-se de cada sentimento. É, a amiga tem razão quando diz que é de dor que nos alimentamos...

Pri Fierro.

domingo, 28 de novembro de 2010

A senhora e a menina



- Olá, como você está hoje?
- Bem, me sinto velha.
- Porque? (surpresa)
- Fiz sete anos ontem, mas me sinto feliz também, porque sete é o meu número da sorte.
- Eu tenho cinquenta e oito anos, não vejo a hora de chegar aos setenta, pois sete também sempre foi o meu número da sorte.
- Sempre foi? E o que você já conseguiu quando passou pelo sete?
- Vi que eles não me ajudaram em muita coisa, o que eu conquistei foi sempre acreditando que eu vivo a cada ano um sete diferente, e o que nada é tão complicado de conseguir. Mas, me diz o que você tinha ontem?
- Vou pensar na questão do sete. Bom, na verdade eu não sei o que eu tenho, na verdade é tudo... São fatos! E que na verdade não são de todos complicados, e mesmo que alguns sejam, a questão é que eu não sei lidar com todos, não tô sabendo lidar e ter confiança nas atitudes que eu tomo. E também a questão não se refere só as pessoas, e sim é sobre mim também. Sei que a gente muda, e a mudança é preciso, mas eu vi que eu era uma pessoa melhor. São coisas bobas, acho que fazem parte de um possível crescimento para o futuro!
- Mas, como que você não está sabendo lidar?
- Queria lidar com a minha insegurança e ansiedade. Enfim, são coisas! Acho que eu preciso tirar um tempo para mim, um tempo que eu me foque em algo, tenho a impressão de não terminar as coisas, eu estou sempre fugindo, pode ser impressão, mas não sei...Eu acabei criando uma capa protetora, talvez. Pode ser que tudo isso seja normal, não sei.
- Crescer não é fácil, ninguém disse que seria. Você deveria prestar mais atenção em você, tudo está ai, não serei eu com toda a minha experiência que te direi onde achar. Na verdade acho que você já está encontrando você em você. Isso pode te assustar, mas não suma. E fugir se torna relativo, quando ele vem o crescimento, eu acho. É, está ai uma coisa que sei dar certeza. 
- Eu ando pensando e fazendo coisas que não condiz com o que eu acredito. E também não gosto de falar as coisas para as pessoas, porque elas sempre me julgam, estou cansada de viver com gente que critica. Eu vi que eu me tornei assim também. Estou a fim de mudar isso.. Quero parar de pensar para agir.
- ...
- Por que esse silêncio? Fiz algo de errado novamente?
- Não se preocupe com isso, mesmo se tivesse feito isso tudo faz parte de ser quem você é. Ora! Quem nunca errou mais que acerto na vida? Essa que é a graça de viver, é saber que viver estar em errar e não apenas em acertar. Acredito que você...Não sei se devo falar...
- Fale!
- Bom, não precisa levar em consideração tudo o que eu digo, mas acredito que está assim pois está muito próximo de conquistar coisas grandes que parecem estar longe, e que na verdade terá que abrir mão de outras para conseguí-las. E na verdade estão mais próximo do que você imagina, algumas você até já passou.
- Passei?
- Calma, eu não disse que viver está em errar? Essa que é a graça, então, quando notar o que é, volte a abrace com toda a sua força.
- Acho que você pegou no ponto que mais dói e me assusta. Não quero fazer um drama disso, mas eu juro que estou sentindo bastante.
...
Eu me vejo querendo conquistar o mundo, e com medo, mas sentindo que ele está próximo, talvez isso que me assuste. Então, começo a me sentir pequena quando chego perto dele, como se eu não fosse conseguir pegá-lo. Queria fazer e conquistar tudo o que te disse na conversa de ontem. Mas eu sou muito insegura, sei que isso me prejudica, mas a questão é que não sei como vou mudar essa situação... Vejo-me em mudança, mas sempre parada. Tem como isso? (risada)
- Vá com calma, olhe primeiro pelo o que você se indigna e sofre!
- (Fecha os olhos decepcionada)
- Se direcione.
- Acredito que em um mês, as coisas estarão mais direcionadas. Só não saberei o resultados de todos os meus planos. Estranho, mas vou.. vou... vou continuar a crescer. Quero criar meus problemas, e não só viver parte deles em cima dos que não são meus, e sim de outros. Só não quero ficar dando voltas. O bom é que dizem que no final tudo dá certo. (risadas)
- É como eu disse, viver uma vida com alguns erros faz parte, mas direcione-os para um crescimento, não dói tanto assim.
- Me diz uma coisa, porque você não me trata como criança?
- Criança? Olhe bem para si.
- ...
- Você não é mais uma criança, deixou de ter sete anos faz algum tempo, você tem muito que amadurecer ainda, mas agora você faz o que eu sempre fiz, transformo todos os meus anos em sete. Como eu disse, você tem muito o que aprender e parar de querer carregar o mundo em você, chega! Ajudar faz parte, mas as suas escolhas não podem mais servir de alicerce para outros. E está na hora de se arrumar e pegar o avião, e vá sozinha, não poderei te levar, agora estou em meu horário de tomar chocolate quente com biscoitos. Não tenha medo, te deixarão embarcar, amanhã mandarei um cartão de feliz aniversário, afinal você completa vinte e três anos!
- Tenho vinte e três anos? Sinto-me sem rumo ainda.
- Quem disse que viver é ter um rumo? Viver é respirar e não ter pressa.
- Tudo bem, isso vai passar.(De cabeça baixa)
- Claro que sim, e pode vir outras situações piores, menina! (risadas) Mas, são elas que dão o grande sabor de se viver. E lembre-se nem sempre a minha verdade é a sua, e quando te falarem é que certo você fazer isso, não faço porque te falaram, faça se quiser, e também acredito que nem sempre o que é certo é o melhor. E passar por caminhos fáceis faz da vida mais difícil no final. Viva com calma e respire a cada sorriso e lágrima, a cada alegria e tristeza... Aprenda a respirar, e essa fumaça sumirá de seus olhos.
- Te ligo quando eu chegar da viagem. Obrigada, e já sinto saudades de seu abraço.
- Abrace o mundo que você vai me sentir, sempre que eu puder estarei na claridade da lua para chegar em doce menina.

- Te amo.

- Tchau, até breve. 


thatiane.oc

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Conversinha interna.



- Ah, Deus !!! Você só pode estar brincando comigo.
- Não brinco com coisa séria.
- Você é muito infantil !
- Você ama me apontar defeitos, né ?
- ...
- Você ama me apontar defeitos, defeitos e mais defeitos !
- E você ama se inventar defeitos.
- Só queria um pouco de carinho, de elogios, de palavras lisas.. não ásperas.
- Eu te dou o que você quer que eu te dê. Te digo o que você me faz ver. A culpa é toda sua !
- E você não pode tentar me mudar ?
- Tentar te mudar ? É uma preguiça essa que te consome, nem cuidar de você, nem se fazer, nem se erguer consegue !
- Eu já cai e levantei muitas vezes, talvez eu não tenha tido quedas o suficiente grandes para o mundo lá fora mas, para esse aqui dentro, foram quedas bastante significativas.
- Você só busca problemas, percebe ?
- Sabe, quando me levantei senti, sim, o vento em meu rosto. Mas ele passou...
- Você está sempre querendo brigar, esperniar, cheia de birrinhas tolas, medos inventados, falas carentes e pesadas. Hipocrisias sem fim ! Que fim !!
- Queria que você tentasse me ver.
- Você se apaga, você apaga tudo e afasta tudo ! Vai acabar só e a culpa vai continuar sendo sua.
- Eu sei.
- E você sempre sabe tudo, mas só saber não adianta. Você me cansa !
- Eu me canso também.
- ...

Pri Fierro, sem buscar sentido em nada.

Respirar



Quando ele precisou falar, foi quando não conseguiu, cada palavra e som voltaram para dentro dele como uma bolha de ar. Queria apenas viver da forma mais leve. Ele virou para o amigo e disse:

‘ – Eu admito crio expectativas em cima de meus sonhos, e acredito que essa pode ser uma das melhores formas de viver, ao menos para mim, pois não sonhar e não esperar, é como aceitar o fato de que as coisas não são tão boas assim, e para mim nada tem um fim é sim um começo, e que esse começo seja sempre com um ‘final feliz’. ’   

Mas, agora doía não saber dizer o que queria, e não conseguir lidar com o fato de não saber se posicionar de forma diferente, já que os que estavam ao seu redor sempre viam tristeza, onde ele continuaria buscar uma paz, e ignorar os julgamentos feitos sobre o seus modos de pensar e agir.

Lidar com tudo isso dentro dele era difícil, a questão era saber como ele conseguiria lidar com ele próprio, sendo que hora ou outra sempre se contradiz na verdade que ele jamais ousou acreditar que era fantasia! Dela ele nunca duvidou, e mesmo com as turbulências não iria deixá-la de lado. Apenas queria sentir a primavera como ela é, e ainda não sabe como, mas quando descobrir irá gritar da janela que se sentia preso ao anoitecer.

thatiane.oc

domingo, 14 de novembro de 2010

Distração simples.



O sono das onze da tarde era o mesmo de qualquer hora de seus dias. Tinha muito sono por não conseguir descansar quando podia dormir, dormia, mas não descansava: 'um verdadeiro problema essa sua mania de não dormir !'. Tinha esse costume desde pequena, era um bichinho noturno (ainda que tivesse medo da noite). Não havia criado muitas expectativas para aquele dia, era só sono, o mesmo sono de sempre. Pra falar bem a verdade, não criava expectativas para nenhum de seus dias, mesmo aqueles que pediam expectativas. Havia sim uma voz que lhe fazia mirabolantes ideias do que poderia passar no decorrer das horas, mas ela sempre a afastava com um ponta pé, não queria construir nada que poderia não começar nem com uma simples demolição.

Para ela, naquele metrô, meio cheio, meio vazio, as expectativas não valiam a pena.
Não valiam a pena porque nunca alcançavam o nível que esperava em si. Não valia a pena pelo sono que lhe consumia a alma preguiçosa, nada faminta daquela vida. Simplesmente olhava pela janela do metrô, o túnel escuro, e via como aquele nada passava rápido por seus olhos tontos que tentavam acompanhar todos os acontecimentos do mundo. Por preguiçosa, nunca conseguia. Expectativas. Tinha um sono mortal ! Fechou os olhos e respirou fundo ao encostar a cabeça na janela suja do transporte coletivo, não era cama mas tinha uma facilidade de dormir melhor fora dela.

Então, em um segundo, o banco já não era só seu, um calor invadiu suas coxas vestidas pela calça jeans e um braço de manga curta roçou sua pele nua pela regata. Os pelinhos se agitaram com o contato, sentiu um arrepio na espinha e abriu os olhos com rapidez e força. A luz, ainda que fraca, a cegou, mas o queimar da íris não a fez exitar ao virar o rosto para ver quem havia mexido com seu sono, seu corpo, sua aura. Era um alguém, um qualquer alguém, como todos os alguéns ali presentes. Tinha o seu atrativo de alguém, a barba castanha escura, que cobria parte do rosto, deixava a mostra uma boca séria. 'Que narizinho lindo', pensou quando subia a visão aos olhos que, no mesmo instante, a encararam de uma forma oculta e surpresa, fazendo com que a cara esquentasse, vermelha, e o sono saísse correndo com medo ante tal interrogatório silencioso que os olhos do alguém lhe faziam. Esboçou um pequeno sorriso envergonhado e olhou adiante, dura, imóvel, quente e fria de uma só vez. Expectativas, besteiras !

Sentiu que seu acompanhante se mexia inquieto, procurando uma posição de pernas, braços, tronco e olhar. Olhar, a olhava de cantinho, examinando quem lhe examinava antes. Ela seguia dura, sem se mexer, sem respirar. Mas a visão panorâmica da situação lhe permitia ver a mão, branca e grande, caminhar pela perna longa até a outra mão, voltar para a perna, passar pela mochila azul marinho, coçar a barba e arrumar os cabelinhos da nuca, aqueles que ele mesmo cortava. Coçou a testa, franziu a boca, mexeu o pescoço, a deixou inquieta. A inquietação de ambos virou dança, onde o coçar, o roçar, o mover virou ritmo de corpos, de sensações, de expectativas criadas em suas cabeças mecânicas que não paravam de pensar um só minuto em tudo aquilo que acontecia ali, em todos os senhores que entravam, nas grávidas que passavam, nos trabalhadores que dormiam, nas crianças que gritavam, nos estudantes que riam, nos casais que beijavam, nos alguéns sozinhos que encaravam e olhavam, observavam.. O calor das coxas aumentava, a tensão passara, as mão não paravam quietas, os olhos encaravam através do vidro, encaravam de frente, agora, de lado, depois. Ele não sabia, ela não tinha expectativas.

As horas passaram com cada movimento, com cada respiração, cada roçar. Não sabiam seus nomes, não sabiam nada um do outro. Ora, a estação !

Pri Fierro

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Consequências



Fechar ou abrir os olhos, voltar ou partir, o que sei é que cada escolha sempre terá sua reação. Se será certo ou incerto, nem sempre tem como prever, a questão é ser e escolher sem receio. E lembrar-se que cada instante é o suficiente para a mudança existir.
E hoje tenho a certeza que os pequenos momentos são sempre os maiores. 


thatiane.oc

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Deixe ser



Penso em colocar tudo o que sinto em palavras, mas tenho receio... Parece que tudo pode se espalhar, mudar de lugar. Foi como em uma noite de turbulências, eu senti o que não sabia que tinha em mim, ou apenas como sempre, eu ignorei.  Mas eu vi, eu senti, eu corri atrás, não de você, mas do que eu venho guardando há tempos. O alivio foi grande quando soube que não estava sozinha, e que nada foi apenas uma imaginação, e tudo estava prestes a ser palpado.
Olho para isso que temos como um sentido que não precisa de definição para saber que está onde tem que estar, ou estará (estaria). Mas eu sei que tenho que esperar, e que a resposta pode não ser a certa, mas eu sei que será a melhor. Desculpe-me por não ter batido na porta antes, e ter esperado em um dia chuvoso você abrir a porta porque eu não agüentei mais e gritei isso que estava em mim.
Falei o que devia, e o que não devia, talvez. O receio maior é ser deixado de lado o olhar para sentir. Falei que meus sentimentos estão apenas em achar, o que na verdade quer dizer a certeza, mas tenho receio, pois o medo é maior que do sentir. O medo que existe é o de arriscar uma das coisas que mais tem valor. Achar é quando se perde algo, e na verdade, eu nunca perdi o que sinto, mas ao mesmo tempo eu sinto que estou arriscando a deixar de lado a possibilidade de não sentir o que poderá mover as coisas.
A culpa é minha, quem saberá? Na verdade isso surgiu sem explicação, sem razão. Os dois estão buscando uma razão, um motivo para arriscar, mas de fato é preciso dele? O que existe não pode se apagar, mas o que não existe poderá fazer mudar, ora para melhor e ora para pior.
Sempre me pergunto, por que não fiz isso antes, eu teria me privado de deixar de não sentir as coisas. Ao mesmo tempo em que senti meu coração respirar, agora ele respira aos poucos, ansioso esperando a alegria chegar com todas suas conseqüências. Escrevo isso não sabendo qual é a melhor coisa a se fazer, mas eu escrevo porque quero sentir a cada segundo que tenho pensando em você. Deixar de lado para pensar não é a solução, não sei mais onde estou pisando... Aliás, acredito que estamos voando esse tempo todo, só não tivemos coragem de nos encontrar. Não acredito que tudo possa dar errado, talvez algumas, e quando der quero que saiba que vou fazer o impossível se tornar possível com lembranças de sorrisos. E saber sempre que se foi sentido faz algum sentido. 
O que sinto por você, se é ou não eu não sei, mas esse sentimento é singular, é a incoerência que mais faz sentido para mim. É dela onde busco as perguntas, não preciso das respostas, preciso sempre do olhar sincero, como sempre foi e sempre será.
Acredito que o essencial está em viver e voar.

E meu pergunto, será mesmo que vamos ignorar isso?

'O vento vai dizer
lento o que virá' Los Hermanos - O vento

Thatiane.oc

domingo, 10 de outubro de 2010

Labirinto


            Não entendo. Mas vi o tamanho da estupidez, ou diria frieza do ser humano. Não há um entendimento sobre ser um humano de verdade. Verbo ser, no presente, passado, futuro, qualquer forma, as pessoas deveriam tentar ser.
Quero a paz da insônia. Notei que acordei pela madrugada um dia desses e eu estava ou ele, sentado na cama, com olhos fechados, espere! Não, estavam abertos, mas a escuridão não o fez ou me fez ver nada. As palavras se encontravam como em um labirinto, todas em um caminho perdido, procurando as pistas jogadas pelo ar ou apenas estavam procurando jogá-las para o seu próprio subconsciente, porque amanhã será outro dia, e estará  sentado observando tudo, mais uma vez.
            
           Por fim, todas as sensações e ilusões, juntas às palavras se encaixaram, logo, notou que era apenas a claridade que não a deixará enxergar nada. A escuridão foi criada pela claridade e por sua mente, nada se tornou tão doloroso quanto ao saber que outra noite estaria tão próximo a seu corpo, e fazia com que esse calor não fosse embora e que tudo está em torno de si, e que cada um é responsável pelo que cria e busca, pois somos o que acreditamos ser, sempre.

                                                                 Ou seria eu? 

'Não se trata de ser ou não ser,
Trata-se de ser e não ser.' - Manuel Bandeira 


thatiane.oc

A busca e o encontro



E então descobri o tudo do nada.

 (-Tem como?)

O que foi descoberto não tem sentido algum, ao menos para mim. Tudo se perdeu ao meio de vestígios de felicidades e sutilezas. Desnecessário. Sim, essa seria a busca de todo o significado que sinto. Para que se destilar de tantas intenções? Intenções para esconder o que nunca me deu valor, e sabia tamém que nunca dei valor, talvez porque não fosse pra ter ou porque eu sinto sempre que cada um tem o que merece. Sim, cada um tem. Não que precisem sofrer sempre, mas tem que apren... Bom, não vou me explicar.

(- Cansei disso também.)

O descoberto me fez ver que tudo serve como escala, uns sofrem o retrocesso outros estão estatizados, e por último tem aqueles que conseguem voar.

 (-Sem tramas e sem dramas.)

 O fim sempre é o começo! Sempre ouvi dizer sobre essa história. E em uma noite de sonhos ou insônias, notei que essa história soa como se nada tivesse um fim, tudo em uma escala, onde o fim ora é visto como um suspiro, por notar que o sol estará lá quando amanhecer e começar com outra história. Ora também o fim te deixa sem chão, sem peso para conseguir sentir a realidade. Mas, tudo bem... Quando comecei a sonhar ninguém me disse que seria fácil. E amanhã verei que tudo que é fácil, nem sempre é o que busco em mim.

‘Mas eu sei
Que vou ter paz antes da morte
Que vou comer um dia
O delicado da vida
Vou aprender
Como se come e vive’ – Clarice Lispector



thatiane.oc

sábado, 18 de setembro de 2010

Brincando de pedrinhas.


Observavam as duas meninas juntas. Elas brincavam na grama com pedrinhas, guiando-as, controlando-as. Eles as observavam, elas falavam. (Se calavam.) Uma conversa muito estranha. Para elas, tudo muito natural. Haviam coisas que só aconteciam e vinham a tona quando estavam juntas. Curiosos, seguiam ouvindo sem saber. Algo de cores e pessoas. Percebia-se que falavam sério, ainda que parecesse brincadeira. Maria e Joana pensavam bastante igual, assustavam. Pessoas que tinham cores, eles se olhavam sem entender. Nem tentavam. Elas quase sempre se esforçavam.

O esforço era sem querer, muitas vezes cansavam e diziam não se esforçarem mais. Mas quando viam lá estavam, se esforçando de novo. Não eram melhores que ninguém, nada, e eles já pensavam isso sem nem saber porque. Mas eram boas sim, não madres, mas boas, sim, de corações machucados, molinhos. Eles analizavam os movimentos de mãozinhas e pedrinhas, elas falavam sem nem perceber. Falavam sem parar. Falavam delas mesmas, de suas cores próprias, inventadas. Sentimetos.

Eles podiam não achar, mas elas eram quase da mesma palheta. Vinho, marrom, tais tons, sempre escuras. Maria pensava que Joana brincava mais pelo vermelho que ela, forte, chamativo. Joana via roxo em Maria, que achava a cor fria, mas Joana discordava, gostava do roxo. Maria, ás vezes, via Joana laranja queimado. Gostava muito ! Sabia-se que gostava porque desejava o tal laranja queimado à amiga querida, ainda que ela não se sentisse assim de verdade (o que doía a Maria). O que pensava Maria, era que Joana ás vezes se pintava de laranja queimado e ria alto, sentindo cosquinhas. Mas, no final, conhecia-se bem Maria, que doía com Joana o vinho, o vermelho escuro, o marrom. Não que fossem só triste. Eram sim cativantes, quentes, intensas (nunca sangue). As duas menininhas eram intensas, extremas, muito ou nada (nunca nada). Bonito, eram beleza. Pesadas, continuavam a conversa entre cores e pedrinhas. Simples, como eram. Complexas, como as viam. Até que Joana se machucou e Maria foi ver o machucado: "Quando vai sarar ?!", os olhos negros molhados, nariz vermelho de choro, dor. Maria a olhou: "Não sei, mas espero que logo !". Desejo real, violeta alaranjado.

Soprou e inventou uma história para distrair a amiga, que se acalmava aos poucos com as palavras tortas, cegas e sem sentido de Maria que, desesperada, não sabia como curar o machucado de Joana. Seu machucado. Machucado de amabas que, no meio de cores inventadas, seguiam falando sem parar, tacando pedrinhas no longe do gramado que as acolhia. E eles sempre muito observadores, atentos pelo superficial, nunca notando o que realmente acontecia alí, entre tais pedrinhas coloridas.

Mas era fato que aqueles que observavam sentiam inveja do mundo alheio ao qual viviam, o mundo alheio no qual elas viviam. Mal sabiam ! Pensavam, talvez, que por brincarem de colorir pessoas tinham várias cores em seus mundinhos. Não sabiam mesmo nada de nenhuma das duas. Talvez não pensassem isso, e a inveja fosse de qualquer outra coisa. Ou, talvez, nem inveja fosse ! Delírios ! Mas as duas seguiam, se importando sem se importar por tais observadores, por tais sentimentos gratuítos que lhes chegavam como facas. Facas de plástico, que demoram a cortar. As menininhas sorriam, o papo das cores havia chegado a uma e outra pessoa que as tocavam realmente fundo, que lhes coloriam. Joana e Maria, gostavam dos que se davam a oportunidade da cor.

Cansadas e sonolentas, seguiam citando nomes próximos e alheios, impressões, sentimentos. Uma ou outra descolorida, o que lhes causava desconfiança: "Também desconfio de gente colorida demais." disse Joana colocando uma pedrinha ao lado de outra, Maria balançou a cabeça, concordava. Aqueles que olhavam julgavam, ainda que quisessem evitar. Beliscaram as coxas até ficarem vermelhas, sentiram a dor da qual fugiam, estavam vivos ! Mas, que cor seriam ?! Não sabiam, talvez Joana e Maria tivessem a resposta. Mas elas estavam bastante cansada dos tais observadores, tinham sono, preguiça, queriam poder dormir um pouquinho longe dos olhares e apertões causados por tais pessoas que, covardes, fugiam de sentir. Porém, ainda que soubessem, nenhum dos que olhavam se atreviam a perguntar, a se aproximar. Medo. Medo de se deparar com alguma cor desconfortável, triste, apagada, fujona. Elas seguiriam colorindo as pessoas, a seus gostos. O ponto de vista dos outros não lhes importavam naquele momento, que observassem ! Medrosos !

Os que observavam, então, vivos mas sem viver, se retiraram com coxas doloridas. Sem cores, descoloridos. Maria olhou um por um. Joana se fechou ante todos. Jogaram longe as pedrinhas e sairam caminhando por entre as cores do mundo. Lhes restavam sentir, doer, pesar, voar e colorir com quem quisesse lhes acompanhar. Juntas ou separadas, não havia outra saída. Ainda que se afogassem em tintas alheias, nadavam até a superfície da maneira que conseguissem. Respiravam com dificuldade, tinham tintas de outros em seus pulmões. Ainda assim, seguiriam, até o momento, de mãos dadas, roxa e alaranjada, vinho, escuras. Enquanto os outros, os que observavam, medrosos de suas cores, seguiriam julgando e escutando sem entender.

"Maluquices !" gritariam, mas Maria e Joana continuariam com as maluquices, então.

Pri Fierro

domingo, 5 de setembro de 2010

Afeto que afeta.


Sentia, toda noite antes de dormir, uma dor aguda que lhe carcomia a espinha dorsal. Mudava de posição, a dor vinha pra frente, no peito. Pensava enfartar ! Olhava o teto e respirava fundo, parecia que lhe haviam arrancado uma parte do corpo, ou que lhe haviam arrancado o corpo todo ! Se contorcia daqui, virava o pescoço e 'clec' um estalo. Revirava o braço e 'clec' outro estalo. Ai, quanta dor !
Pensava em resmungar e olhava pro lado, o via e ele dormia, profundo, pesado. O ronquinho lhe dava ternura em dias como aquele, que a dor era muita ! Deveria ser o contrario, deveria irritá-la, atrapalhava o sono ! Mas não, dava ternura vê-lo com os olhos fechados, sem os óculos de todo o tempo, roncando, dormindo. Nem o acordou, não queria preocupar. Pensou, então, em pedir a uma das filhas algum remédio. Levantou e estremeceu ! Deus, parecia que a dor havia aumentado ! Se arrastou até o quarto, olhou as camas das suas eternas meninas e sorriu. Dormiam feito anjos que queria que fossem, travessas. Quanta ternura tinha em ver aquelas duas partes suas, suas e só suas, dormirem assim, como se a paz do mundo existisse. Beijou uma testa, beijou outra testa e nem as acordou ! Caminhou até a cozinha, apalpou, na ponta dos pés, em cima da geladeira. Engoliu o comprimido com um pouco de água e voltou ao quarto, deitando e cobrindo somente os pés, tinha calor. Fechou os olhos e pensou em todos aqueles que viviam embaixo de suas asas acolhedoras. Tantos ! Quantos ! Ai ! Uma fisgada na cabeça e, ai ! Outra fisgada na coluna. Ai ! Fisgada trás fisgada, o peito cheio de afeto, o coração bambo e molinho de quentura e amor. Quanto amor ! Quanto amor por quanta gente ! Quanta preocupação por todos ! Queria todos perto, protegendo, sem mal nenhum em suas vidas. Queria todos para ela, embaixo de suas patas, prontas garras para arranhar ao primeiro inimigo. Precisavam ? Dava. Queriam ? Dava. Necessitavam um pingo de amor e carinho ? Dava sem nem pensar ! Ai, como se dava ! Se dava tanto, amava tanto que nem sabia como, se dava como mãe se dá, não sabia ser outra coisa, era mãe e não sabia não ser mãe. Se dava tanto ! Ah, mas tanto ! Ás vezes ficava triste por se dar tanto, mas escondia, seguia se dando. Ah, se deu tanto que já não tinha corpo.

Ai, que dor ! Sorriu, de amor.

Pri Fierro

domingo, 29 de agosto de 2010

Futuro a[r]mado.


Após limpar o sorriso sujo de bolo, com a manga de sua blusa, a vozinha chegou aos ouvidos de quem a acompanhava. O que queria era difícil, e ela não desejava.

- Me conta do passado.
- De que passado ?
- Daquele, de antes de eu nascer.
- Já te amava, então.
- Como ?
- Não sei como, nunca soube como acontecia isso de amar, só sei que amei quando ouvi que era verdade os sonhos.
- Você chorou, né ?
- Muito.
- Alegria ?
- Alegria, esperança, amor. Era algo que fazia muito tempo não sentia, na verdade, só me dei conta quando senti.

As mãos continuavam juntas, abraçadas em um calor de carinho e amor sanguínio sem fim. Era a primeira e, até então, única criança que olhava nos olhos e via alguém que era metade de seu ser, que era sua irmã.
O desejo da criança lhe trazia dúvidas. Passado ?! Qual passado ?! O inventado ou o real ?! O desejado ou o vivido ?! Sorriu fingido por pensar que a conversa havia acabado. O tal passado havia passado, pelo menos no tempo... engano.

- Me conta do passado.
- O passado já passou.
- Mas o passado é presente em você.
- O passado sempre será presente em mim porque foi o que sou.

O aperto dos olhos, a dor aguda na espinha dorsal, a pressão crâniana. Escondia tudo da criança também, escondia tudo para que aquele ser não imaginasse nada e não pensasse que um dia poderia sentir e ser como a tia. A tia que todos pensavam ser forte por ser robusta... enganos.

- Me conta.
- Outro dia.
- Quando ?
- Quando você viver a sua leveza.
- Que leveza ?
- A que desejo com todo o meu ser pra você.
- Quando será isso ?!
- Não sei, nunca soube o que é ser leve.
- Então, como ?! Não tem sentido.
- Você nem nasceu, nem suspirou, nem chorou. Talvez você nunca seja leve, pelo peso que tem do seu nascer. Mas eu prometo retribuir o peso, fazendo você viver momentos de leveza: leveza de sorrisos, de doces, leveza de diversões, de bichinhos. Leveza de viver, nem que seja um pouquinho, na leveza que não existe no mundo.

O desejo era real e palpável, abriu os olhos e viu que sonhava, mas no fundo desejava aquilo, aquele diálogo com quem chegaria em sua vida. Olhou para o teto com o coração em mãos e um suspiro já no ar, em voz alta suplicou que o peso da criança fosse seu também.

- E o passado ?!
- Vai me acompanhar, porque é presente do meu passado, mas você não precisa saber pois não vai viver o que passou. Agora é alegria, é amor, é esperança ! Já o passado... o passado, deixa ele pra lá.

Pri Fierro (com mania de diálogos)

domingo, 22 de agosto de 2010

Diálogo de mentirosos.



- Você tem a pele tão branca.
- Contrasta com a minha alma.
- Colorida.
- Escura.

O ar de graça em seu rosto a fez franzir a testa, não brincava, falava sério.

- Colorida.
- Sabe meus cabelos ?
- São escuros.
- Como minha alma, se fosse colorida seriam coloridos.
- Então as loiras tem almas douradas ?

A irritou, desviou o olhar para o nada que lhe perseguia e levantou as sobrancelhas, cínica. Era lógico, mas tentaria explicar, difícil encontrar pessoas que a entendiam.

- Não é regra, é exceção.
- E o ego ?
- Vai bem, obrigada.

Ele achou graça. Mas ela não sorria, mantia a expressão de antes.

- Não fica brava.
- Vê que meus cabelos, meus olhos, meus pelos, todos são escuros, né ?
- Vejo.
- Todos vem de dentro, como minha alma. Logo, escura. Não sou regra, não cabe pra todos.
- Cabe pra mim ?
- Não, se você não entende, não cabe não.
- Queria ser exceçsão.
- Mas é regra, é pigmentação.

Ele deixou de sorrir, ela falava sério, tão sério que seus olhos pareciam mais pretos do que normalmente, ainda que nunca mudassem de cor.

- Não importa, gosto da sua alma escura e da sua pele branca.
- Você aguentaria minha alma escura apagando sua alma clara ?
- Apagando ?
- Apagando, transformando, quando tudo em mim ficar mais escuro. Você ainda gostaria de mim ?

O testava, ela sabia a resposta e ele podia ver que sim. Era a boca vermelha que lhe indicava tudo, a veia no pescoço, a testa tensa. Se calou, não podia mentir diante daquele desafio todo de almas e cores.

- Não poderia te obrigar a isso, queria que sim, mas não poderia, então não diga que gosta, ninguém gosta. Me basto, tenho que bastar-me se não.. nem sei.

Agarrou a mão dele e deitou na cama, ainda nua por dentro e por fora.
Fechou os olhos e fingiu que nada acontecia, que era colorida e que voava.
Enganava a si mesma pensando como pensava.
Desejava parar, mas tudo seguia rápido, sufocando.
Pensou em tudo, tudo, sem sorrir.

Pri Fierro.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Então, tudo borbulhou.



- Preciso conversar.
- A panela está no fogo, não pode ser mais tarde ?
- Não aguento mais, sinto que vou explodir.
- Estou fervendo o leite, você vai querer no café ?
- Você me ouviu ? Eu disse que sinto que vou explodir !
- Você sempre faz mais drama do que deve. Aonde está o coador ? Detesto nata.
- Ontem pensei que morria, fechei os olhos e me apavorei com a idéia de viver na escuridão da eternidade. Essa tal morte é caótica e me assusta, e eu não aguento mais viver assim.
- Todo mundo morre um dia. Merda, o leite ferveu ! Você me distrai.
- Esse conformismo também me afeta.
- Qual ?
- 'Todo mundo morre um dia'.
- E é mentira ?
- Mas e daí ? Não posso ter medo disso ?
- Eu disse isso ?
- Você não diz nada, esse é o problema.
- Perguntei se você queria leite no café e você fez drama.
- Meu peito parece que está borbulhando como o leite.
- Você liga demais.
- Não aguento mais ! Porque você não se importa ?
- Eu me importo, mas não tem saída, ou a gente morre ou a gente morre, fim.
- E a escolha ?
- Eu te dei uma, café com ou sem leite, você fez drama.
- Não entendi o que tem uma coisa a ver com a outra.
- Oras, você tem a opção de viver assim ou assado, de tomar café com ou sem leite. O final é inevitável, o café acaba, morre no estômago. Mas até a sua morte ainda viaja por todo o seu corpo.
- Metáforas não são comigo.
- Toma seu café com leite e aproveita, quando o fim chegar a gente lamenta.
- Não consigo, o leite me queima.

Pri Fierro

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Esquentar, verbo "praticante".


Quando era pequena o colo de minha mãe era o único refúgio que encontrava quando tinha as bochechas encharcadas de lágrimas. Lágrimas que ainda derramo como um grande bebê precisando de colo quentinho.
Sentia tudo esquentar, desde os pezinhos até a testa lisa de inocência. E a sensação fria da tristeza de meu chorar parecia que me abandonava aos poucos, deixando minha alma tão mais frágil em paz.

Logo, crescendo, sentia que bastava estar quentinha para me sentir protegida, de bem com o mundo, aconchegada. O gelado me afastava, me machucava, o quente e acolhedor sempre me cativou. Mas nao sabia muito bem como, nem de onde vinha, pois me bastava sentir um calor no coração que tudo parecia ir muito bem.

Então, amadurecendo, percebi o poder de esquentar dos outros. Que esse calor no coração vinha nãode mim, mas daqueles que me fazem bem, que me passam esse calor de seus corações. Foi até que, hoje, me disseram que uma das maiores qualidades das pessoas é a de aquecer corações. Talvez eu já soubesse, mas dito por alguém que te esquenta o coração é muito mais nítido e verdadeiro. Admirável !

E agora, tarde, no começo de outro dia, debaixo das cobertas e quentinha, protegida, pensei: essas tais pessoas são algo como colo de mãe, que te esquentam, te protegem e te fazem sentir tão bem que espantam qualquer frio que possa querer te gelar o corpo. E isso com tanta facilidade, transbordando carinho pelos poros, te brindando uma amizade cheinha de calor e cumplicidade.
Querer mais ?! Não precisa !

E aos frios, lhes digo: experimentem o esquentar de alguém, vicia e faz sorrir sem nem piscar.

Pri Fierro

domingo, 1 de agosto de 2010

Um sonho substitui o outro.

Não há como ter certeza. É como se tivesse realizado desejos em feitos que não existiam, como se não existissem, e então em cima disso quisesse acreditar no que parecia real, o que fazia bem, até quando não se pensava, apenas sabia que começaria a fazer parte de si a cada instante, a cada detalhe. As coisas iam se transformando em detalhes minuciosos e primordiais, sem aquilo talvez nada fizera sentido, talvez! Mas, agora as coisas mudaram e assustam, tudo mudou, é como se o seu maior inimigo fosse si próprio, nada daquilo existiu, nada mais faz sentido, a presença se tornou ausente, não faz diferença.

É estranho quando se não tem o nada, e começa acreditar nele ao ponto que o torna real, sendo que  não, apenas, n ã o sentia, e nem sentirá! 

thatiane.oc

quinta-feira, 29 de julho de 2010





As pessoas são pequenas demais pra mim. Na verdade, são suas atitudes, os pensamentos que as tornam pequenas. Não me ocupo do que não me trás nada, eu quero muito mais de tudo, quero que alguém consiga tirar o máximo que eu possa dar, ou se contente com o meu nada. Agora não me prendo a expectativas, dizem que elas geram frustrações, mas não é por isso que me desprendo delas, até mesmo porque acredito que são elas que nos levam a algum lugar, e que quem nos geram frustrações somos nós mesmos. Cansei, cansei de pessoas mesquinhas, de pensamentos pequenos.

Cansa-me ter que ser alguém  s e m p r e,  eu quero o nada e o tudo ao mesmo tempo, tem como? Sinto como se tivessem a ideia por ai que eu queira alguma coisa de você, mas não, talvez eu apenas queira me encontrar, e não você. Gosto do jeito que tá, mas cansa... As pessoas sempre têm algo a falar e pensar, queria ter um dia para não agir, jogar t u d o para o alto, e fechar os olhos e estender os braços, e que a sorte me traga o que eu preciso por agora, amanhã eu vejo o que faço com resto. Quero agir com calma, mas, a minha calma nem sempre é bem interpretada. Mas de que importa? Por que tenho que atingir as suas ou minhas expectativas? BASTA! Nem sempre dizer o que quero é não querer nada, não me sinto confortável à ideias sempre com valores, quero o excesso do nada. Nunca fez parte de mim a cobrança e acredito que nunca fará. Ás vezes sinto que você quer mais de mim, e ás vezes que não quer nada, não consigo achar seu meio termo, sinto que achei alguém que tenha mais receio de mim do que eu.  O que me deixa mais em divida com meus pensamentos toda à noite. 

thatiane. oc

Sabe...


...eu não sei você, mas eu adoraria um café com leite agora. Com pão fresquinho e quentinho, recheado de manteiga ou requeijão, pronto para ser molhado naquele café com leite que tanto desejo. Ou então, até, com uma bolacha maizena coberta de margarina, aquelas que fazem as famílias sorrirem na televisão, pronta para ser mergulhada naquele café com leite que, ah, queria muito agora !

Sem poesia, sem falar da vida, da morte, de amor, de fracassos, ilusões, tristezas, alegrias, dores. Só um cafézinho com leite e açúcar, pra adoçar a vida da gente, e umas bisnaguinhas para se afogarem naquele líquido marronzinho que tem um gosto tão gostoso ! Sem papo nem pensamentos, só um sentimento degustado com café e leite: prazer.

Um momentinho de prazer, é só o que eu queria. Um momentinho meu, de prazer egoísta, enquanto tudo desce macio pela garganta, fazendo minhas células dançarem de alegria por tal gostinho de prazer ! Queria mesmo, queria muito mesmo, um café com leite agora.

Mas acabou o pó.
Mais um prazer que terei que deixar para outro dia.

Pri Fierro

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A busca pelo universo.



Me assusto ao pensar na imensidão do infinito universo que nos embala, ainda que metade dos seres não se dêem conta, mas a insignificância humana é bastante significante !
Mas acho que me assusto mais em saber que existe infinitas coisas nesse infinito universo e eu, um ser humano tão insignificânte quanto qualquer outro, tão pequeno perto de tantas grandezas, procuro descobri-las e senti-las mesmo sabendo que é impossível e perigoso fazê-lo.
Perigoso porque são tantas, e sou uma, e são tão grandes e sou tão pequena que a explosão do meu ser é inevitável, e eu sei disso. E impossível pela quantidade, pela densidade de elementos que não sei nomear, e muito menos explicar, que não conheço nem metade, e não sei se conhecerei verdadeiramente algum dia.

Mas não consigo evitar esse meu gosto pelo perigo impossível, de descobrir e achar, que o universo me leva a querer, me atraindo como se todo ele fosse um buraco negro que suga o que sou, o que poderia e o que poderei ser. Então vejo que existem outros planetas, luas, astros e me sinto ansiosa por querer tudo de uma vez só, por querer engolir o universo sem medir nem peso, nem consequência, mesmo sabendo que até as estrelas morrem.

Mesmo sabendo tanta coisa, desconheço mais ainda, e a imensidão me mostra que há tanto ainda que é impossível eu me fechar em apenas um mundo, um sol, uma lua e algumas estrelas.

Pode que eu acabe mau, mas não consigo evitar essa minha eterna busca pelo universo esperando que sim, alguma coisa mude o meu mundo.

Pri Fierro

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Todos ao meu redor, obrigada.

Sabemos que todos os dias, a cada segundo, inúmeras pessoas passam por nossas vidas.
Pessoas de tamanhos, cores, formas, tipos, estilos, essências, ideais, pensamentos, vozes, amores e diversas características e sentimentos diferentes e iguais ao seus.
Por que, então, justo algumas delas, algum dia de nossas vidas, resolvem nos olhar e, como se fosse combinado e já esperado, te são apresentadas ou se apresentam passando a tornar parte não só de nossas vidas, mas de nós mesmos ?!

(Não sei se há resposta.)

Mas aposto que todos já haviam pensado nisso, nessa sensação bizarra que se tem de uma pessoa que, antes, era uma no meio de inúmeras e hoje é uma parte sua. Uma parte que você passa a não conseguir viver sem, que a saudade esmaga ainda que a tenha perto, que te seguram quando você está prestes a cair e que te fala a verdade, ainda que essa sempre seja dolorida.

(Que não é perfeito,  mas é essencial.)

Como pode existir pessoas que te entendam tanto e sabem, ás vezes, mais de você do que você mesmo ?! Que com só alguma palavra sua decifram todos os seus sentimentos, coisa que você quase não consegue fazer. E logo você percebe, que vocês são tão parecidas e tão diferentes mas isso, essa oposição e essa igualdade de espíritos inventados e irreais, é o que faz que tudo dê tão certo e que a harmonia de suas almas sejam compatíveis e perfeitas, fazendo tudo, realmente, ficar bem.

Poucas são as palavras aqui ditas, porém, me resta dizer que não sei o que seria de minha humilde existência se não tivesse algumas das pessoas que hoje carrego, como partes de mim, na minha vida.
Mas sei que descubro a cada dia que sou alguém de amores: morro de amores pelas pessoas, me apaixonando e admirando como se fosse um abismo sem fim e cheio de cores.
E as agradeço por isso, por me permitirem amar e admirar.

E assim, chego a uma conclusão: sei que nasci incompleta, mas o mundo me presenteou com sorte para encontrar pedaços de mim antes perdidos por aí.

- Pri Fierro.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sem meias palavras. O que basta não é o que é dito. Não gosto da ideia de ser julgada, onde transformam isso ao que sinto, nem sempre o que se vê de fato é. 
Preciso desgastar e gastar, ora com dose certa, ora não, a imensidão de sentimentos e desejos que tenho em mim. 

thatiane.oc



Talvez eu sinta agora, talvez eu não sinta mais. Não chego a ter certeza se de fato é, ou se deveria continuar colocá-las em palavras. Não busco definição, quero o sabor do seu pior e do melhor, vou tentar lidar com isso, como também terá que aprender a lidar com o meu pior. Hoje a minha maior busca é a da ausência ... do sentido, olhar, sorriso, do início daquela conversa que não teve um motivo para começar, apenas que termina com aquele jeito único. Tento não me limitar ou te limitar também,  queria dizer as coisas certas, mas a essa altura acredito que não há mais nada que seja certo ou errado. Meu maior medo é o de tentar, penso que ás vezes estou lutando não com você, e sim comigo, é uma luta sem fim, de desejos e gritos, talvez seja passageira, enquanto isso deixo a interrogação persistir.


"Meu conceito de sentir é diferente do que vivo agora, não chega a ser um sentimento, talvez seja apenas uma sensação, quem sabe."*

*Trecho tirado do texto 'O espelho fundo' de Marília G.

thatiane.oc