domingo, 14 de novembro de 2010

Distração simples.



O sono das onze da tarde era o mesmo de qualquer hora de seus dias. Tinha muito sono por não conseguir descansar quando podia dormir, dormia, mas não descansava: 'um verdadeiro problema essa sua mania de não dormir !'. Tinha esse costume desde pequena, era um bichinho noturno (ainda que tivesse medo da noite). Não havia criado muitas expectativas para aquele dia, era só sono, o mesmo sono de sempre. Pra falar bem a verdade, não criava expectativas para nenhum de seus dias, mesmo aqueles que pediam expectativas. Havia sim uma voz que lhe fazia mirabolantes ideias do que poderia passar no decorrer das horas, mas ela sempre a afastava com um ponta pé, não queria construir nada que poderia não começar nem com uma simples demolição.

Para ela, naquele metrô, meio cheio, meio vazio, as expectativas não valiam a pena.
Não valiam a pena porque nunca alcançavam o nível que esperava em si. Não valia a pena pelo sono que lhe consumia a alma preguiçosa, nada faminta daquela vida. Simplesmente olhava pela janela do metrô, o túnel escuro, e via como aquele nada passava rápido por seus olhos tontos que tentavam acompanhar todos os acontecimentos do mundo. Por preguiçosa, nunca conseguia. Expectativas. Tinha um sono mortal ! Fechou os olhos e respirou fundo ao encostar a cabeça na janela suja do transporte coletivo, não era cama mas tinha uma facilidade de dormir melhor fora dela.

Então, em um segundo, o banco já não era só seu, um calor invadiu suas coxas vestidas pela calça jeans e um braço de manga curta roçou sua pele nua pela regata. Os pelinhos se agitaram com o contato, sentiu um arrepio na espinha e abriu os olhos com rapidez e força. A luz, ainda que fraca, a cegou, mas o queimar da íris não a fez exitar ao virar o rosto para ver quem havia mexido com seu sono, seu corpo, sua aura. Era um alguém, um qualquer alguém, como todos os alguéns ali presentes. Tinha o seu atrativo de alguém, a barba castanha escura, que cobria parte do rosto, deixava a mostra uma boca séria. 'Que narizinho lindo', pensou quando subia a visão aos olhos que, no mesmo instante, a encararam de uma forma oculta e surpresa, fazendo com que a cara esquentasse, vermelha, e o sono saísse correndo com medo ante tal interrogatório silencioso que os olhos do alguém lhe faziam. Esboçou um pequeno sorriso envergonhado e olhou adiante, dura, imóvel, quente e fria de uma só vez. Expectativas, besteiras !

Sentiu que seu acompanhante se mexia inquieto, procurando uma posição de pernas, braços, tronco e olhar. Olhar, a olhava de cantinho, examinando quem lhe examinava antes. Ela seguia dura, sem se mexer, sem respirar. Mas a visão panorâmica da situação lhe permitia ver a mão, branca e grande, caminhar pela perna longa até a outra mão, voltar para a perna, passar pela mochila azul marinho, coçar a barba e arrumar os cabelinhos da nuca, aqueles que ele mesmo cortava. Coçou a testa, franziu a boca, mexeu o pescoço, a deixou inquieta. A inquietação de ambos virou dança, onde o coçar, o roçar, o mover virou ritmo de corpos, de sensações, de expectativas criadas em suas cabeças mecânicas que não paravam de pensar um só minuto em tudo aquilo que acontecia ali, em todos os senhores que entravam, nas grávidas que passavam, nos trabalhadores que dormiam, nas crianças que gritavam, nos estudantes que riam, nos casais que beijavam, nos alguéns sozinhos que encaravam e olhavam, observavam.. O calor das coxas aumentava, a tensão passara, as mão não paravam quietas, os olhos encaravam através do vidro, encaravam de frente, agora, de lado, depois. Ele não sabia, ela não tinha expectativas.

As horas passaram com cada movimento, com cada respiração, cada roçar. Não sabiam seus nomes, não sabiam nada um do outro. Ora, a estação !

Pri Fierro

Nenhum comentário:

Postar um comentário