domingo, 5 de setembro de 2010

Afeto que afeta.


Sentia, toda noite antes de dormir, uma dor aguda que lhe carcomia a espinha dorsal. Mudava de posição, a dor vinha pra frente, no peito. Pensava enfartar ! Olhava o teto e respirava fundo, parecia que lhe haviam arrancado uma parte do corpo, ou que lhe haviam arrancado o corpo todo ! Se contorcia daqui, virava o pescoço e 'clec' um estalo. Revirava o braço e 'clec' outro estalo. Ai, quanta dor !
Pensava em resmungar e olhava pro lado, o via e ele dormia, profundo, pesado. O ronquinho lhe dava ternura em dias como aquele, que a dor era muita ! Deveria ser o contrario, deveria irritá-la, atrapalhava o sono ! Mas não, dava ternura vê-lo com os olhos fechados, sem os óculos de todo o tempo, roncando, dormindo. Nem o acordou, não queria preocupar. Pensou, então, em pedir a uma das filhas algum remédio. Levantou e estremeceu ! Deus, parecia que a dor havia aumentado ! Se arrastou até o quarto, olhou as camas das suas eternas meninas e sorriu. Dormiam feito anjos que queria que fossem, travessas. Quanta ternura tinha em ver aquelas duas partes suas, suas e só suas, dormirem assim, como se a paz do mundo existisse. Beijou uma testa, beijou outra testa e nem as acordou ! Caminhou até a cozinha, apalpou, na ponta dos pés, em cima da geladeira. Engoliu o comprimido com um pouco de água e voltou ao quarto, deitando e cobrindo somente os pés, tinha calor. Fechou os olhos e pensou em todos aqueles que viviam embaixo de suas asas acolhedoras. Tantos ! Quantos ! Ai ! Uma fisgada na cabeça e, ai ! Outra fisgada na coluna. Ai ! Fisgada trás fisgada, o peito cheio de afeto, o coração bambo e molinho de quentura e amor. Quanto amor ! Quanto amor por quanta gente ! Quanta preocupação por todos ! Queria todos perto, protegendo, sem mal nenhum em suas vidas. Queria todos para ela, embaixo de suas patas, prontas garras para arranhar ao primeiro inimigo. Precisavam ? Dava. Queriam ? Dava. Necessitavam um pingo de amor e carinho ? Dava sem nem pensar ! Ai, como se dava ! Se dava tanto, amava tanto que nem sabia como, se dava como mãe se dá, não sabia ser outra coisa, era mãe e não sabia não ser mãe. Se dava tanto ! Ah, mas tanto ! Ás vezes ficava triste por se dar tanto, mas escondia, seguia se dando. Ah, se deu tanto que já não tinha corpo.

Ai, que dor ! Sorriu, de amor.

Pri Fierro

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